A receita pode ser até a mesma, mas os pratos certamente não saem iguais. Dependem da combinação de ingredientes extras como conhecimento, prática e criatividade na culinária. E o mais importante: vocação para cozinhar. Esse é o principal quesito para atuar em um mercado que corresponde a 2,4% do PIB brasileiro e congrega cerca de um milhão de empresas, gerando seis milhões de empregos diretos em todo o país. A gastronomia é um ramo que não comporta mais aventureiros. Cresce de maneiras diferentes dependendo da localidade, mas em todas elas a busca é por aperfeiçoamento contínuo, profissionalizar-se para sobreviver. Somente assim é possível alcançar resultados e fidelizar os clientes.
O consumidor é o responsável pela árdua disputa nesse mercado. O hábito da alimentação fora de casa já representa 26% dos gastos dos brasileiros com alimentos, conforme dados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), entidade presente em 24 Estados, que tem como missão promover essa área no país.
A exigência, para a grande maioria, é ser bem atendido e comer bem. "Os empreendedores devem investir na elaboração de cardápios atraentes, com impressão em outras línguas como inglês e espanhol, na diversificação para atender a uma gama nova de clientes que chegam ao mercado, como idosos, diabéticos e pessoas com restrições ao glúten, e outras particularidades, por exemplo, oferecer a possibilidade de um alimento mais natural, com produtos orgânicos", diz Paulo Solmucci Júnior, presidente da Abrasel nacional.
Para se destacar nesse mercado, empreendedores põem em ação estratégias que tenham o consumidor como alvo:
- Um bom atendimento é essencial para o sucesso do negócio;
- A qualidade dos alimentos servidos é consensual e indiscutível, sob risco de fechar as portas do bar ou restaurante;
- Também é importante elevar o padrão da apresentação dos pratos e sempre que possível oferecer novidades gastronômicas. Atualmente, há maior facilidade em encontrar fornecedores especializados para adquirir ingredientes e criar novas receitas, simples ou sofisticadas.
Nas capitais, mais do que em outros lugares, existe muita variedade dos itens em alimentação disponíveis nas gôndolas de supermercados, por exemplo. "É preciso investir cada vez mais na capacitação de sua equipe para oferecer serviços de qualidade a seus clientes, sem esquecer também dos investimentos na qualificação para o alimento seguro (que não oferece perigos à saúde e à integridade do consumidor)."
Sabor Brasil
O cliente se ganha nos detalhes, e na valorização e promoção da gastronomia. Esse é o objetivo da Abrasel, Ministério do Turismo e Sebrae, que se uniram em torno do programa Movimento Brasil Sabor.
O programa possui uma série de iniciativas que têm como foco a profissionalização do setor de alimentação fora do lar, começando pela qualificação para o alimento seguro, gestão e excelência em atendimento. Uma delas, o Programa Qualidade na Mesa (PQNM), realiza cursos de boas práticas e de Multiplicador no Local de Trabalho (MLT), uma metodologia nova para impulsionar o atendimento. "Esse programa qualifica os profissionais e contribui de forma significativa para que os empreendimentos que passam pelos treinamentos possam ocupar um lugar diferenciado no mercado", diz Solmucci.
Mas o carro-chefe do programa é o festival Brasil Sabor, que cria oportunidade para empreendedores apresentarem toda a qualidade de seus serviços aos clientes. "É, sem dúvida, uma grande ação de promoção da gastronomia, do setor e dos restaurantes participantes, pela visibilidade e projeção que ele proporciona. O sucesso do festival é tão grande, que muitos restaurantes incorporam o prato do evento em seus cardápios", diz o presidente da Abrasel. O evento contribui para divulgar a culinária regional e promover a imagem da gastronomia brasileira no exterior.
Para o Brasil Sabor 2007, que está ocorrendo no período de 17 de abril a 20 de maio, a meta é dobrar o número de participantes e de cidades envolvidas. "O Brasil Sabor é uma ação de extrema importância para demonstrar que, além de seus belos roteiros turísticos e de sua valiosa cultura, o Brasil possui uma riqueza de dar água na boca: a gastronomia."
A importância da gastronomia no "trade" do turismo
O mercado de gastronomia é um prato cheio para outros nichos como o de eventos e do turismo. "A gastronomia brasileira é muito rica e diversificada e é, sem dúvida, um forte instrumento para estimular estas áreas no país". O estudo "Economia do Turismo: Análise das Atividades Características de Turismo", do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), comprova essa vocação para fomentar o empreendedorismo. Das 81 prestadoras de serviço no turismo, 49% são empresas de alimentação. Esse nicho também é responsável por 31,18% da receita operacional líquida do turismo.
"França, Espanha, Itália e, mais recentemente, Japão e México já estão apostando de forma consistente no setor de alimentação fora do lar como instrumento para impulsionar as áreas de turismo e economia, com resultados excelentes." Diante dessa realidade, não há nenhum ingrediente exótico e de difícil acesso para aprimorar ainda mais a gastronomia brasileira. O cliente está na mesa, à espera, e com muita fome.
Gostar de cozinhar passou de divertimento para uma rede de restaurantes
A melhor receita de Sergio Arno é combinar gastronomia e negócios. Filho de Ana Maria Ferraz de Oliveira Dias e Carlos Arno, empreendedor bem-sucedido no ramo de eletrodomésticos, ele encontrou na culinária a sua vocação. Nunca precisou de um motivo, de uma razão específica, sempre teve prazer em cozinhar. Por gostar e ter aptidão na arte de preparar alimentos, é considerado um dos cinco melhores chefs do mundo em culinária italiana. Em 2001, abriu a rede de restaurantes La Pasta Gialla, franquia com nove unidades em São Paulo e outras três no Paraná, Pernambuco e Alagoas.
Começou a cozinhar com sete anos, ajudando sua mãe em casa. Aos 12, ele já fazia sozinho os primeiros pratos, receitas mais simples como molhos para saladas e arroz. Na adolescência, tinha muita dificuldade de concentração e acabava tirando notas baixas na escola. Por não ser um bom aluno, conforme os padrões educacionais da época, o pai propôs que ele fosse trabalhar na fábrica, montando enceradeira e outros eletrodomésticos. Mas nunca sofreu pressão da família para seguir carreira na empresa. "A pressão era justamente ao contrário, para não ficar. Era para cada um se virar sozinho na vida e não depender de ninguém", diz Arno. Cozinhar sempre foi o que melhor sabia e gostava de fazer.
Mais tarde, conheceu a italiana Maria Graça, que se tornou sua namorada e depois sua esposa. Foi com a mãe dela que começou a se interessar pela gastronomia daquele país. Foi morar na Itália e, para se manter, trabalhou numa subsidiária da Pirelli; sua função era carregador de pneus, ajudava a transportá-los até os caminhões. O tempo que passou no país, aproveitou para aprimorar sua técnica e conhecimento na gastronomia. Foi estagiário de um restaurante e lá começou a cozinhar profissionalmente. "Tive que aprender na prática e ler muito. São mais de 15 mil livros lidos."
Em 1987, voltou ao Brasil com muita vontade de abrir o próprio negócio na área. Como andava sem dinheiro, pediu emprestado ao pai para poder se tornar sócio de um restaurante. Mas seu pai lhe fez uma proposta: fazer dois jantares; caso aprovasse o seu desempenho, ele emprestaria, era essa a condição. Mesmo achando apenas regular, financiou o filho, mas com uma quantia que mal deu para adquirir as panelas. O empreendimento recém-inaugurado começou a fazer sucesso, mas também dava bastante trabalho.
De início, tinha que fazer tudo, manobrar carros, recepcionar os clientes e atendê-los nas mesas, cozinhar e fechar as contas. Após uma semana, já esgotado e sem dormir direito, pensou em fechar o restaurante.
Porém, a paixão pelo empreendimento fez com que continuasse a colocar em prática sua aptidão. Depois desse restaurante, montou ainda mais três empresas na área, a mais recente, La Pasta Gialla, tem no cardápio massas e bruschettas como pratos principais.
"Existe muita concorrência em todo o ramo de alimentação, e em cada segmento é necessário atuar de maneira diferente, dependendo do público, mas todos os meus empreendimentos têm algo em comum, que é a paixão pelo negócio", diz. Na sua avaliação, é preciso saber cozinhar e gerenciar, não uma ou outra, mas aliar as duas coisas. "Não tratar o negócio como se fosse um investimento qualquer ou, como muitas pessoas fazem, sobrou um dinheiro, abrem um restaurante porque acham legal, isso não cabe mais hoje em dia."
A rede tem crescimento de 9% ao ano, e o plano de expansão para 2007 é abrir cinco novos restaurantes. "A filosofia é igual para todas as unidades, e o cardápio é exatamente o mesmo, exceto alguns pratos mais regionais nos quais não interferimos", diz. "A receita é essa, tem dado certo, e temos feito bons negócios." Eleita a Melhor Cantina da Cidade de São Paulo por dois anos consecutivos, 2003 e 2004, na Revista Gula, também recebeu o prêmio de Melhor dos Melhores Gula 2005.
"O prêmio é maravilhoso, mas não cozinho para ganhar, gosto de cozinhar e acho que as pessoas têm que comer bem. O objetivo é fazer o cliente feliz e valorizar a culinária." Para despertar a vocação de cozinhar em outras pessoas, Arno escreveu dois livros de culinária. O primeiro em 1990, La Vecchia Cucina, A Cozinha Renovada, e, em 1999, A Cozinha do Amor e da Paixão. "Esse é um dos poucos ramos que se tem de fazer com amor, senão é melhor desistir e fazer outra coisa." Tem que ter dom.
Pratos típicos de países diferentes podem conviver no mesmo restaurante
Japão é logo ali perto da Itália, pelo menos quando se trata da culinária servida no mesmo restaurante. Palavras japonesas como Gohan, Kanten e Ebi (arroz cozido, gelatina de algas marinhas, camarão) estão presentes no cardápio do I Piatti Sushi Bar, que serve tradicionais pratos da culinária oriental.
No mesmo local, só que no andar de baixo de um casarão em Botafogo, no Rio de Janeiro, funciona o I Piatti Ristorante, especializado em cozinha italiana. A sócia proprietária Suzi Clementino Niv, aprendeu a não misturar sushi e sashimi com lasagna e spaghetti. Combinar os pratos não faz parte da sua estratégia. O objetivo é oferecer dois tipos de culinária para satisfazer todos os gostos dos clientes.
A diversidade tem dado destaque para a casa. São três andares, no qual funcionam o restaurante e o Sushi Bar, que alternam a forma de servir, dependendo do horário. Para atender à clientela durante o dia, por exemplo, o primeiro piso serve comida italiana à la carte, no segundo tem um buffet a quilo de pratos variados, e no terceiro, também por peso, comida japonesa. "À noite, a diferença é que servimos rodízio no segundo andar e no terceiro piso alugamos o salão para eventos, festas e banquetes", diz.
Suzi optou pelas duas cozinhas depois de observar o mercado. Tanto a culinária italiana quanto a japonesa fazem sucesso aqui no Brasil há algum tempo. Com decoração temática, apostou na variedade e riqueza gastronômicas de cada cultura para criar uma novidade inusitada, mas que foi bem recebida e deu certo. "Sempre ficava de olho no que tinha de novo no mercado, mas não tinha recursos para abrir o negócio."
A infância pobre trouxe a responsabilidade cedo. Ainda quando criança, ela era encarregada de tirar o leite das vacas para vender na vizinhança, em Piabetá, distrito de Magé, município localizado a 50 km da cidade do Rio de Janeiro. Com muita determinação e sempre em busca de superação a cada novo dia, graduou-se em Direito. E não parou de estudar. "Fiz vários cursos sobre gestão em restaurante e culinária no Sebrae e no Senac, e depois, quando tive a oportunidade, me formei em Gastronomia, pela Estácio de Sá."
Foi uma árdua batalha, mas conseguiu montar o empreendimento que pretendia. Antes, teve que virar empreendedora do ramo têxtil. Conseguiu dinheiro emprestado com o tio e se tornou sócia de uma confecção de roupas. Mais tarde, com a clientela formada e o negócio consolidado, seguindo de vento em popa, aproveitou o momento para tomar uma decisão radical. Vendeu sua parte na empresa, e usou o dinheiro para quitar sua dívida com o tio e montar o tão sonhado restaurante, em 1985.
"Já gostava de gastronomia, fui me envolvendo cada vez mais, troquei e deu certo." Gradativamente, foi fazendo investimentos. "Quando abrimos o restaurante, convidei um sócio que tinha experiência fora do Brasil na área, tínhamos apenas quatro funcionários. O crescimento foi aos poucos, mas foi bem sólido", diz Suzi.
Fonte: Empreendedor - Fábio Mayer
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