A difícil escalada brasileira
O país é um dos mercados emergentes do turismo mundial, mas precisa vencer vários desafios para sustentar seu crescimento na área
EXAME
Por Renato Mendes
O choque de realidade ajudou a despertar o Brasil para o mercado do turismo. Nos últimos anos, graças a um conjunto inédito de esforços dos setores público e privado, o país deixou a condição de eterna promessa do setor para se transformar num competidor sério. Os resultados desse movimento já aparecem nas estatísticas -- e são muito relevantes. De uma década para cá, apresentamos uma das maiores taxas de expansão do mundo na área. Segundo a Organização Mundial de Turismo (OMT), enquanto o número de passageiros de viagens internacionais cresceu em média 50% no planeta entre 1995 e 2005, o aumento registrado no mesmo período no Brasil foi de 170%.
Em razão da multiplicação do fluxo de visitantes, a receita cambial gerada pelo turismo atingiu um patamar recorde no ano passado, totalizando 4,3 bilhões de dólares. Resultado: o setor já é o quinto principal produto da balança comercial brasileira, atrás apenas de minério de ferro, petróleo bruto, soja em grãos e automóveis. O dinheiro trazido pelos turistas ajuda a movimentar um mercado que fatura mais de 100 bilhões de reais por ano e emprega mais de 2 milhões de pessoas no país. Não foi por acaso, portanto, que o Brasil entrou recentemente na mira dos grandes grupos estrangeiros de hotelaria. De uma década para cá, mais de uma centena de redes internacionais chegaram aqui. Elas são responsáveis por dois em cada dez novos estabelecimentos que estão sendo erguidos.
O fenômeno vem chamando a atenção da imprensa internacional. No início de janeiro, o diário americano Miami Herald divulgou uma lista dos dez melhores países para os turistas internacionais em 2007. O Brasil ficou em quinto lugar, atrás de China, Estados Unidos, Marrocos e Argentina -- e à frente de destinos tradicionais, como Espanha e Grécia. O jornal destacou que o Brasil sempre foi um roteiro atraente graças à sua diversidade natural e cultural, mas neste ano conta com um trunfo a mais para atrair turistas: os Jogos Pan-Americanos, que acontecem em julho, no Rio de Janeiro. Outra publicação americana, a Travel Weekly, uma das principais revistas de turismo do mundo, apontou o país entre os cinco destinos mais promissores nesta temporada. A escolha foi feita pelo voto de seus leitores, em sua maioria agentes de viagem e operadores de turismo.
Novos patamares
O país contabilizou em 2006 um recorde histórico em receitas cambiais geradas pelo turismo, mas a trajetória positiva de evolução de visitantes estrangeiros foi interrompida
Receita cambial do turismo
(em bilhões de dólares)
2002 2
2003 2,5
2004 3,2
2005 3,9
2006 4,3
Número de turistas estrangeiros
(em milhões)
2002 3,8
2003 4,1
2004 4,8
2005 5,4
2006 5,1
Fontes: Banco Central e Embratur
Por causa do enorme atraso histórico brasileiro nesse setor, o avanço dos últimos anos ainda não foi suficiente para tirar o país de posições modestas no ranking mundial de turismo. Atualmente, segundo a OMT, o Brasil é o 36o principal destino do mundo em número de visitantes e o 39o em faturamento. Para avançar nessa lista, o país terá de superar grandes desafios. O crescimento do turismo nacional escancarou sérias deficiências na área de infra-estrutura. Desde o final do ano passado, o setor enfrenta uma sucessão de problemas. A fase de más notícias começou com a crise da Varig, que suspendeu várias de suas rotas internacionais. Depois disso, ocorreu o apagão aéreo, como foi apelidada a crise dos aeroportos, cujas operações entraram em colapso devido ao aumento do tráfego e dos atrasos em obras de ampliação. Somente nos primeiros meses deste ano, cerca de 30% dos vôos sofreram algum tipo de atraso.
O conjunto de fragilidades do país acendeu o sinal de alerta no setor de turismo. Um dos reflexos imediatos dos problemas foi a interrupção da trajetória positiva do fluxo de estrangeiros que visitam o país por ano. Entre 2005 e 2006, esse número sofreu queda de 5,4 milhões de pessoas para 5,1 milhões (veja quadro ao lado). Por causa do apagão aéreo, a taxa de ociosidade nos hotéis do Nordeste no fim do ano passado chegou a 30%, um verdadeiro desastre em pleno período de alta estação. "Não há como entrar no Primeiro Mundo sem resolver essas questões básicas", diz Xavier Veciana, diretor-geral da SuperClubs, rede jamaicana que administra no Brasil o resort Breezes Costa do Sauípe, na Bahia.
O primeiro ranking mundial de competitividade no turismo, divulgado em março pelo Fórum Econômico Mundial, ajudou a dimensionar o atraso nacional no setor. A entidade avaliou 124 nações, atribuindo notas em quesitos fundamentais para a indústria turística, como segurança e infra-estrutura. Os campeões do levantamento foram Suíça, Áustria e Alemanha. O Brasil acabou em 59o lugar, atrás de países como Bahrein, Costa Rica e Estônia. Segundo os responsáveis pelo levantamento, os problemas de violência, as péssimas condições das estradas e os gargalos dos aeroportos estão entre as causas que contaram mais pontos para a avaliação negativa do país. Esse diagnóstico foi corroborado pelo universo de entrevistados de uma pesquisa exclusiva de EXAME a respeito dos grandes desafios do país na área de turismo. Foram ouvidos 90 dos principais empresários e executivos do setor no Brasil. A exemplo dos especialistas do Fórum Econômico Mundial, eles consideram que as duas maiores prioridades do país para avançar nessa área são o combate às deficiências de infra-estrutura e a melhoria da segurança pública. Cerca de 90% dos entrevistados elegeram o combate à criminalidade como a prioridade do governo no setor (veja quadro na pág. XX).
De tempos em tempos, cenas de violência explícita contra turistas ameaçam anos de trabalho de construção da imagem brasileira no exterior. No final de novembro, por exemplo, um grupo de 18 turistas ingleses foi assaltado pouco depois de desembarcar no Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro. O ônibus que levava os visitantes foi fechado por bandidos no Aterro do Flamengo, na zona sul da cidade, quando se dirigia a um hotel em Copacabana, e os passageiros perderam todos os seus pertences. O mais absurdo é que o chefe da Polícia Civil do Rio atribuiu a responsabilidade pelo assalto às empresas de turismo, por não terem pedido reforço de segurança para acompanhar a chegada dos estrangeiros à cidade.
O prejuízo causado por ocorrências desse tipo não é desprezível. O economista Ib Teixeira, da Fundação Getulio Vargas, tentou medir o impacto da violência no turismo brasileiro. Tomando por base os turistas europeus e americanos que viajam para a vizinha Argentina, Teixeira estimou quantos desses visitantes o Brasil poderia atrair se fosse um país mais seguro. Levando em conta que cada estrangeiro gasta em média 1 000 dólares por estadia, a conclusão de Teixeira é que o Brasil poderia ter uma receita adicional de cerca de 2,5 bilhões de dólares por ano -- quase 60% mais que os estrangeiros gastaram no país em 2006. "Autoridades americanas e européias recomendam que seus turistas não venham para cá", diz Teixeira. "O problema da violência é gravíssimo, mas nunca recebeu a devida atenção."
Na pesquisa de EXAME, o segundo gargalo mais importante citado pelos entrevistados, depois da falta de segurança, são questões ligadas a deficiências na infra-estrutura turística. A crise atual nos aeroportos é apenas o capítulo mais recente de um longo histórico de problemas na área. Uma das dificuldades é a falta de um número maior de vôos regulares para os principais mercados -- Estados Unidos e Europa. Hoje, o transporte aéreo é o principal meio utilizado pelos turistas estrangeiros que visitam o Brasil -- três em cada quatro visitantes chegam ao país de avião. Além disso, há uma grande concentração de vôos em São Paulo e no Rio de Janeiro: 87% dos desembarques internacionais acontecem nos aeroportos de Cumbica, em São Paulo, ou do Galeão, no Rio.
No momento, porém, a deficiência de infra-estrutura que mais tem provocado problemas é o colapso operacional dos aeroportos. Com o aumento da demanda ocorrido nos últimos anos, eles se encontram sobrecarregados. A situação é especialmente dramática em Congonhas, em São Paulo. Quando sua operação é interrompida por algum motivo (o que tem sido freqüente nos últimos meses), isso gera um efeito cascata em forma de atrasos em outros terminais do país. Entre 2005 e 2006, Congonhas foi um dos aeroportos que registraram maior aumento no número de passageiros no mundo. A reação do governo brasileiro a esse gargalo tem sido muito lenta e tímida. Desde 2003, a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) investiu 2,4 bilhões de reais em obras de ampliação e melhorias em 19 terminais do país. Nesse pacote estão incluídas as reformas das pistas de Congonhas. Mas o ritmo dos trabalhos ainda é muito lento.
Os gargalos e as prioridades
Os problemas que devem ser resolvidos com urgência, na opinião de 90 dos principais empresários e executivos do setor de turismo no país
1 - O que mais afasta o turista estrangeiro do Brasil?
Violência 56%
Poucos vôos diretos para o país 19%
Infra-estrutura precária 9%
Distância da Europa/Estados Unidos em relação ao Brasil 7%
Baixa qualidade dos serviços 7%
Imagem do país ligada ao turismo sexual 2%
2 - Quais devem ser as cinco prioridades para estimular o turismo?
1ª - Melhoria na segurança
2ª - Maior abertura do mercado aéreo
3ª - Aumento da verba de marketing para divulgar o país
4ª - Fim da exigência de visto para os americanos
5ª - Melhoria da sinalização e da informação aos turistas
Não é apenas por causa de problemas como falta de segurança e deficiências de infra-estrutura que o Brasil leva uma nítida desvantagem em relação a seus grandes competidores no setor. Embora a criação do Ministério do Turismo, em 2003, tenha representado um avanço em termos de políticas públicas para fomentar o desenvolvimento do setor, ainda há muito o que fazer. Uma das questões que ainda não mereceram a devida atenção foi o peso da carga tributária do país sobre essa área. Numa pesquisa realizada no ano passado pelo Senac com 63 grandes empresários do turismo nacional, o custo dos impostos foi citado como o fator que mais inibe investimentos e tira competitividade do Brasil. Em outros países que elevaram o turismo à condição de prioridade nacional, o setor recebe tratamento diferenciado por parte do Fisco. O México é um dos grandes exemplos disso. Em janeiro de 2004, o governo local concedeu descontos no pagamento de tributos aos turistas estrangeiros que vão ao país para participar de congressos, feiras e exposições. A medida teve efeito quase imediato. Em 2003, 14 eventos haviam sido realizados no país. Em 2005, esse número subiu para 65. Com iniciativas desse tipo, não é difícil entender por que o México recebe cerca de 20 milhões de turistas estrangeiros por ano, quatro vezes mais que o Brasil. É apenas um exemplo no qual o país poderia se inspirar para criar melhores condições para o desenvolvimento do setor.
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