quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Dominus Noste

Arte: Américo Costa
Por: Alexandre Marcos Lourenço Barbosa 

O início das obras para instalação de um teleférico entre o Santuário de Aparecida e o Morro do Cruzeiro, mais que alimentar as conversas cotidianas sobre o que representa a colocação de uma torre de sustentação dentro do mais tradicional cemitério da cidade, suscita outras reflexões. 

A mais importante, talvez, é a de que a congregação redentorista, como administradora do santuário, parece entrar na fase mais agressiva de seu grande projeto de implementação de uma estrutura para a prática de um turismo de confinamento, o que envolve, além da Basílica Nova, um complexo hoteleiro, de lazer e devocional que permitirá aos gestores congregados manter o romeiro-turista (ou turista-romeiro?), nos limites dos espaços comercialmente administrados pelo santuário. 

Trata-se de um projeto secular iniciado com os primeiros missionários da Baviera, chegados em 1894, com a missão de adequar o culto aos interesses de Roma. 

Depois, o estímulo à chegada de romarias organizadas, o desenvolvimento de um respeitável aparato de mídia impressa e eletrônica, o planejamento da construção de uma grande igreja para massas e, finalmente, sua execução. Para tanto, as benesses concedidas pelo Estado Brasileiro não foram poucas, nem pequenas. 

Para se ter uma ideia abreviada, a estrutura metálica da torre da Basílica Nova foi doação do governo Juscelino Kubitschek; o viaduto denominado “Passarela da Fé” (razão da criação da BR-488, uma rodovia federal com menos de 2 km de extensão) foi realização do governo Costa e Silva; o asfaltamento de boa parte do pátio interno, em 1980, por ocasião da visita do Papa João Paulo II, coincide com a quadruplicação da BR-488, durante o governo do General Figueiredo; o atual Centro de Eventos, no início de suas obras, apresentava uma placa de um Ministério Federal indicando o valor dos recursos ali aplicados, bem como a destinação do espaço para um centro de eventos culturais. 

Recentemente, a federalização das avenidas municipais que circundam o Santuário, sem qualquer contrapartida ao município, representa ação nova para projeto novo. Afinal, como justificar nova injeção de dinheiro público para atender interesses mercantis monopolizados em Aparecida? 

E, em nome da modernidade, no que ela contém de indefinido, a inescrupulosidade impera, os poderes constituídos (responsáveis pela defesa dos interesses públicos) sucumbem das mais variadas formas, e o sentido originário de levar a Copiosa Redenção é corrompido pela prática voltada ao fortalecimento financeiro de uma instituição criada para ter religiosos “fortes na fé, alegres na esperança, ardentes na caridade, inflamados no zelo, humildes e sempre dados à oração” (Constituição dos Redentoristas). 

Para não concluir, uma curiosidade: em 1897, quando o Cônego Henriques desejava instalar energia elétrica em Aparecida, o empreendimento foi nomeado pelos religiosos bávaros de artefacto do diabo. Hoje, o que diria o cônego a respeito do teleférico? 

Dominus Noster (D.N.) parece ser, já há algum tempo, uma expressão apropriada para uma terra onde o dito a lei da oração é a lei da fé (lex orandi, lex crendidi) tem perdido o sentido.

Reproduzido do Jornal O Lince

Nenhum comentário: