O governo lançou ontem uma proposta para disciplinar a aplicação de R$ 4,8 bilhões anuais hoje geridos livremente pelas confederações empresariais da indústria, do comércio e outros setores.
Trata-se de 40% da receita do Sistema S, o conjunto de entidades privadas de serviço social e formação profissional mantidas com contribuições cobradas sobre a folha de pagamento das empresas, cuja atuação vai de cursos de qualificação profissional até colônias de férias e centros de lazer. No cenário imaginado, entidades como Senai e Senac passariam a seguir diretrizes fixadas em lei para o uso de suas verbas.
O projeto é potencialmente polêmico porque, desde os anos 40, quando foi iniciado o sistema, as administrações estaduais das entidades têm autonomia para decidir seus objetivos e prioridades.
Nos últimos anos, várias tentativas de eliminar ou reformar o sistema esbarraram na resistência de confederações como a CNI (indústria) e a CNC (comércio), responsáveis pela gestão dos recursos. Um dos argumentos sempre lembrados pelos defensores do sistema é que o presidente Lula se formou torneiro mecânico pelo Senai.
Não por acaso, o ministro da Educação, Fernando Haddad, foi cauteloso ao anunciar a proposta, que, disse, será discutida "sem pressa nenhuma". "Estamos criando um clima de debate para uma possível reforma."
A idéia é induzir as entidades a usar o dinheiro na oferta de cursos profissionalizantes gratuitos de nível médio para estudantes oriundos de escolas públicas ou com bolsa integral em estabelecimentos particulares. Os 2 milhões de vagas estimados beneficiariam ainda quem usa o seguro-desemprego.
Para isso, haveria um fundo nacional formado por parte da arrecadação do sistema, e 80% dos recursos seriam distribuídos conforme o número de matrículas nos cursos gratuitos -o restante do dinheiro seria repartido conforme a população do Estado.
Receita de R$ 8 bi
As empresas de médio e grande portes destinam atualmente 2,5% da folha de pagamentos às entidades do Sistema S do setor em que atuam, gerando receita estimada, neste ano, em R$ 8 bilhões.
Na proposta do governo, 1,5% da folha de pagamento passaria ao fundo. As entidades manteriam a autonomia no uso do restante da arrecadação tributária e de suas receitas adicionais com, por exemplo, a oferta de cursos pagos.
No diagnóstico apresentado por Haddad, o sistema hoje é falho devido à falta de transparência, à ausência de critérios para o atendimento, por priorizar cursos profissionalizantes de curta duração e por não ser orientado à gratuidade, o que, afirma, implica em "elitização" do público-alvo. Após a apresentação, ele atribuiu os problemas ao fato de a legislação atual não prever regras que inibam esses problemas.
Idéias em debate
O governo não conta com um projeto de lei pronto para ser enviado ao Congresso. As idéias apresentadas ainda serão discutidas "com a sociedade" e terão de passar pelo crivo da Casa Civil. Embora sejam contabilizadas na carga tributária nacional, as contribuições ao sistema não são consideradas dinheiro público e, portanto, não precisam seguir as diretrizes do Orçamento da União.
Por meio de nota, a CNT (transportes) se manifestou favorável à proposta. Procuradas pela Folha para comentar as propostas, a CNI, a CNC e o conselho nacional do Sesi não haviam se manifestado até o fechamento desta edição.
Avaliação positiva
A Força Sindical avalia que a proposta é positiva e pode ajudar a resolver o problema da falta de mão-de-obra especializada no país.
"O Brasil avançou no setor de tecnologia, as fábricas se modernizaram, mas os trabalhadores nunca tiveram a oportunidade de acompanhar esse investimento. Vários setores sofrem com o problema da falta de mão-de-obra qualificada. Por isso, qualquer mudança no sentido de aumentar os cursos de formação profissional é positiva", disse Paulo Pereira da Silva, presidente da Força.
Para Ricardo Patah, presidente da UGT, uma das propostas mais interessantes é a que prevê que parte dos recursos seja repassada para as escolas públicas fundamentais.
"Os recursos desse sistema são canalizados somente para algumas categorias profissionais. Não havia a participação ampliada da sociedade nesses recursos. A proposta é o início de mudança importante para o país. As escolas fundamentais são as mais carentes."
Veículo de Publicação : Folha de São Paulo Editora: Economia Página: B-6
Data : 28-03-08
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